Jorge Araújo
Escutava ontem Mário Soares na sessão de lançamento de seu último livro – Cartas e Intervenções Políticas no Exílio – e a memória transportou-me para outros tempos, tempos anteriores a ele e eu termos partido para os nossos exílios. Era eu um gaiato de vinte e poucos anos, estudante do 3.º ano de engenharia mecânica do Instituto Superior Técnico e recentemente expulso da universidade; ele era um advogado de renome, um acérrimo opositor ao Estado Novo, que não hesitava em defender os presos políticos mesmo quando estes eram militantes comunistas, como eu.
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Fig.1 – Mário Soares agradece a David Castaño e a João Galamba a apresentação do seu livro
Foi há 50 anos que o conheci. Encontrámo-nos numa cela do Forte-prisão de Caxias-Sul, escura e fria, preparada para que o encontro dos presos com os seus advogados fosse o mais incómodo e, evidentemente, vigiado. Estou a vê-lo com uma farta cabeleira ondulada, bochechas já salientes, a mesma voz ligeiramente nasalada e um optimismo encorajante. Nem uma só palavra que denunciasse algum diferendo de natureza ideológica.
Tornámo-nos a encontrar pouco tempo depois, no Tribunal da Boa-Hora – mas de má memória – perante o famigerado Juiz Silva Caldeira e os acusadores da PIDE. O seu objectivo, como advogado de defesa, era evitar que me condenassem a uma “pena maior”. Na verdade, a uma “pena maior” acresciam sempre “medidas de segurança” que prolongavam arbitrariamente a pena por períodos de 3 anos, indefinidamente prorrogáveis. Conheci alguns alentejanos nessas circunstâncias. Mário Soares conseguiu que o meu “castigo” se reduzisse a um ano: um ano durante o qual pude assistir, de uma janela de Caxias, sempre aberta à chuva e ao vento, ao levantamento dos pilares da ponte sobre o Tejo.
Muitos anos passaram e, com eles, os nossos exílios. Voltámos a encontrar-nos quando ele era Presidente da República e eu, Reitor da Universidade de Évora. E depois disso, Mário Soares visitou a Universidade várias vezes, acompanhando diversos eventos e concedendo o seu alto patrocínio à criação da Fundação Luís de Molina. Quando terminou as funções de supremo magistrado da Nação, a UÉ, por minha iniciativa, outorgou-lhe o grau de Doutor Honoris Causa, tendo sido seu patrono, o Director Geral da Unesco, Frederico Mayor Zaragoza.
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Fig. 2 - Mário Soares numa das várias visitas à UÉ
Ao aproximar-se dos 90 anos, Mário Soares anunciou, perante uma sala do CCB cheia de amigos e admiradores, que ainda tenciona escrever mais alguns livros, de testemunho sobre períodos históricos que viveu e sobre as personalidades ímpares que conheceu em todo o Mundo.
Mário Soares foi sempre uma personalidade maior – e consequentemente controversa – pela clarividência política, pela coragem e acutilância com que defende os princípios em que acredita, mas também pela humanidade que impregna o seu percurso de vida. Destaco neste momento a coragem que se lhe reconhece de priorizar a amizade mesmo que para isso, infrinja dos cânones do “politicamente correto”. Recordo que Mário Soares, então Presidente da República, teve a coragem de ir à Tunísia, em 1994 salvo erro, testemunhar a sua amizade a Bettino Craxi, que fora Primeiro Ministro Italiano de um governo socialista e que se encontrava fugido à justiça no âmbito do processo “mãos limpas”.
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