Laudatio
Jorge Araújo
Sala de Actos do Colégio do Espírito Santo
Universidade de Évora, 30 de Março de 2017
Senhora Presidente da República do Chile, Michelle Bachelet
Senhor Presidente da República de Portugal, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa
Magnífica Reitora da Universidade de Évora, Prof.ª Ana Costa Freitas
Senhor Ministro das Relações Exteriores do Chile, doutor Heraldo Muños
Senhor Ministro da Agricultura, das Florestas e do Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos
Senhora Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros
Senhores Deputados
Senhora e Senhores Embaixadores
Senhores Presidentes das Câmaras Municipais de Évora e de Reguengos de Monsaraz
Digníssimas autoridades Civis, Militares e Judiciais
Senhor Vice-Reitor da Universidade do Porto
Senhores Vice-Reitores e Pró-reitores
Senhores Diretores das Unidades Orgânicas da Universidade de Évora
Senhor Presidente da Associação Académica
Prezados colegas, funcionários e estudantes
Senhoras e senhores convidados
Señora Presidenta Michelle Bachelet, quiero manifestarle mi enorme satisfacción por la oportunidad que se me concede de conocerla personalmente, y dedico dos minutos del escaso tiempo disponible
a enmarcar este homenaje en el cuadro humanista que caracteriza a la Universidad de Évora desde su fundación, en el siglo dieciséis.
El compromiso firme con los valores del humanismo, raíz de los derechos humanos, ha sido no la única, pero sí una de las principales razones para otorgar los Doctorados Honoris Causa por esta Universidad.
En este mismo salón, exactamente donde ahora mismo se sienta la Señora Presidenta, han recibido anteriormente el Doctorado Honoris Causa personalidades destacadas por la valentía con que lucharon por la libertad y la defensa de los derechos humanos.
Recuerdo a los Presidentes de la República de Senegal, Leopoldo Senghor, y de Portugal, Mário Soares; recuerdo a D. Ximenes Belo, obispo de Timor y Premio Nobel de la Paz, y también a Graça Machel Mandela, de Mozambique. Y tampoco olvido a Sebastião Salgado, el genial fotógrafo que denuncia las catacumbas de la humanidad, donde no se cuestionan los derechos humanos porque ni siquiera está garantizado el más esencial de ellos, el derecho a la vida.
El Claustro de los Honoris Causa de la Universidad de Évora es vasto y cuenta con personalidades de varios sectores: la literatura, el arte, la ciencia, la diplomacia y el mundo empresarial, como Saramago, Jordi Saval, Amin Mallouf, Cutileiro, Malangatan y outros.
Señora Presidenta, va a estar en buena compañía !
Primeiros anos
Verónica Michele Bachelet Jéria nasceu e cresceu no seio de uma família da classe média, culta, liberal e laica, para quem a justiça constituía um valor supremo, e o rigor e a ética, exigências com que se dedicavam ao serviço público.
Sua mãe é arqueóloga e seu pai era um distinto oficial da força aérea, leal à República.
Em criança, Mica, como lhe chamavam, viveu uma infância feliz e desenvolta, revelando desde cedo, uma forte personalidade.
Em 1962, seu pai é nomeado adido militar junto da embaixada, em Washington. Este facto levou a que Michelle estudasse nos Estados Unidos onde adquiriu a fluência em inglês.
Dois anos passados, volta ao Chile para frequentar o ensino secundário. Revela-se então uma jovem inteligente, contestatária, estilo hippie, muito ativa e de interesses múltiplos. Destaca-se no desporto, numa seleção de voleibol, participa num grupo de teatro e cria, com outras colegas, um grupo musical – Las Clap Clap – no qual participa como guitarrista e cantora, animando festividades com canções de Bob Dilan, Joan Baez, dos Beetles...entre outros.
Também a atividade associativa estudantil a mobiliza e chega a ser presidente da comissão de curso.
Toda atividade extraescolar não impede Michele Bachelet de concluir, em 1969, aos 17 anos o ensino secundário com a mais alta classificação.
Revolucionária romântica
O ano seguinte,1970, será o ano charneira na vida de Michelle Bachelet, o ano das grande opções.
Como diz Pablo Neruda, “Você é livre de fazer as suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.
1970 foi o ano das escolhas fundamentais cujas consequências, na verdade, marcaram toda a vida de Michelle Bachelet.
Desde logo teve de escolher o seu futuro profissional. E como sempre, fê-lo de uma forma brilhante: opta pela medicina e alcança uma das mais elevadas classificações no exame de acesso à universidade.
Mas 1970, estamos todos recordados, foi também o ano em tomou posse o Governo de Unidade Popular chefiado por Salvador Allende.
É um tempo de euforia política e Michelle não fica indiferente. Ingressa na Juventude Socialista, destaca-se como dirigente do movimento estudantil e torna-se uma militante entusiasta da Unidade Popular.
Gabriel Garcia Marques disse um dia que “um escritor só escreve um único livro, embora esse livro apareça em muitos tomos com títulos diferentes”.
Analogamente, o livro da vida adulta de Michelle Bachelet, desdobra-se em três tomos.
O primeiro começa exatamente em 1970. Nesse ano e nos seguintes, Michelle viveu uma intensa militância política. Foi nesse fervilhar de cariz revolucionário que Michelle Bachelet edificou as bases da sua matriz ideológica.
Quando, passados três anos, ocorre o golpe militar, Michelle Bachelet é uma jovem mulher com uma opção ideológica formada.
Mas os acontecimentos trágicos que ocorreram nesse tempo e que a atingiram de modo tão brutal, a ela e à sua família, vieram consolidar o seu compromisso pessoal, enraizado no seu íntimo, de lutar pela liberdade, pelos direitos do seu povo e para que o Chile voltasse a ser uma democracia, terra de paz e de progresso social.
De facto, em 11 de setembro de 1973, Michelle Bachelet assiste em direto, a partir do cimo do Hospital, ao bombardeamento, pela aviação, do Palácio de La Moneda, sede do governo, onde seu pai trabalhava.
No mesmo dia, seu pai, o General Alberto Bachelet, é feito prisioneiro, brutalmente torturado e acusado de alta traição. Acabaria por falecer cerca de seis meses depois, no cárcere público de Santiago, sem qualquer assistência médica.
Michelle tem então perto de 22 anos. Apesar de abalada pelo profundo desgosto, prossegue os seus estudos de medicina e, clandestinamente milita nas fileiras do Partido Socialista com vista, naturalmente, à reposição por via revolucionária, da democracia.
Não por muito tempo, contudo. Alguns meses depois é presa, conjuntamente com sua Mãe, levada de olhos vendados e encarcerada na Villa Grimaldi, um dos mais macabros, tenebrosos centros de detenção, onde é sujeita aos horrores da humilhação e da tortura.
Em 1975 é libertada e, ato contínuo, obrigada a exilar-se. Acompanhada pela sua mãe, é metida num avião com destino à Austrália, onde se encontrava o seu irmão. Depois, viaja para a República Democrática Alemã onde a espera uma colónia de exilados chilenos.
Na RDA, Michelle envolve-se na atividade política de denúncia da ditadura de Pinochet, mas os enredos intrínsecos às comunidades de exilados políticos, decepcionam-na.
Apesar disso, Michelle não perde o norte: trabalha como auxiliar hospitalar, estuda alemão na Universidade Karl Marx, em Leipzig e, finalmente, quando já possui algum domínio da língua alemã, matricula-se na Universidade Humboldt de Berlim para prosseguir o seu curso de medicina.
Michele Bachelet terá tomado consciência de quão inconsequente era a luta política no estrangeiro; e terá concluído – e eu estou convicto disso – que enquanto permanecesse na RDA, no relativo conforto do exílio, não teria possibilidade de cumprir o compromisso que, intimamente, assumira, de lutar pela restauração da democracia no Chile.
Decide então pôr termo ao exílio.
Estamos em 1979 e Michelle Bachelet não completou ainda 28 anos. Obtém autorização do Governo de Pinochet com a condição de se abster de atividades políticas. Regressa ao Chile.
Minhas senhoras, meus senhores,
Aqui termina o primeiro tomo da vida da nossa homenageada, que poderíamos titular de fase revolucionaria romântica.
Medicina em serviço público
O segundo tomo inicia-se com o regresso à Pátria. Michelle Bachelet adota de início um low profile suficiente para poder concluir a licenciatura sem ser muito incomodada.
Em 1983 obtém o diploma de Médica Cirurgiã. O governo, todavia, não a esqueceu e impede-a de exercer medicina nas instituições públicas.
Durante os sete anos seguintes, Michelle Bachelet exerce a medicina através de uma organização não governamental que se ocupa dos filhos de vítimas do regime militar, crianças cujos pais estão presos, foram mortos ou, simplesmente, desaparecidos. E, em simultâneo, graças a uma bolsa do Colégio Médico do Chile, conquistada pelo seu mérito, tira a especialização em Pediatria e Saúde Pública.
Assistimos ao declínio do regime militar de Augusto Pinochet. Perdido o apoio dos Estados Unidos especialmente a partir da presidência Carter, com relações internacionais crispadas com a vizinha Argentina, e uma economia em franco declínio, o regime enfrentava, por um lado os comados revolucionários de extrema esquerda e, por outro, a contestação popular.
Pinochet escapa a um atentado, mas não evita que a pressão popular lhe imponha um plesbicito, do qual, como estamos recordados, sai vencido.
Em consequência, em 1990, Augusto Pinochet é forçado a renunciar.
A participação de Michelle Bachelet neste processo político é efetiva mas não vanguardista
É então restaurada a democracia e eleito o 1º Governo democrático. Michelle é de imediato recrutada como epidemiologista pelo Serviço de Saúde Metropolitano e pela Comissão Nacional da Sida, é contratada como Consultora pela Organização Panamérica de Saúde, pela Organização Mundial de Saúde e ainda pela Agência de Cooperação Técnica Alemã, a GTZ.
O segundo tomo do livro da vida de Michelle Bachelet finda então em 1994. Encerram-se assim os 15 anos em que estudou, se especializou e exerceu medicina sempre em contexto de serviço público, e adquiriu ainda uma experiência nas organizações internacionais.
Política de Estado
Em 1994, Michele Bachelet tem 42 anos, despe a bata, guarda o estetoscópio, e regressa à política ativa. Mas desta vez à política de Estado.
Já não se trata de denunciar as malfeitorias do regime de Pinochet; trata-se, ao invés, de reconstruir a democracia e, através dela, reverter a herança ditatorial e neoliberal imposta por Pinochet. Trata-se de pôr em prática o seu compromisso para com o povo do Chile.
A sua primeira entrada no Palácio de La Moneda, acontece no Governo de Ricardo Lagos como assessora do ministério da saúde.
Porém, Michelle Bachelet sabe que o compromisso para com os seus compatriotas implicará que ela própria ascenda a patamares de responsabilidade mais elevados. E, para isso, há que desatar previamente um nó: a reconciliação dela com as corporações militares.
Toma então uma decisão extremamente arrojada: ir, ela própria, mulher, filha de um general que faleceu às mãos de camaradas de armas, ir ao âmago da instituição militar que era a Academia Militar de Estudos Políticos e Estratégicos, e inscrever-se para frequentar um curso de estratégia militar. Será a única mulher entre militares. O resultado foi tão brilhante que o Presidente Ricardo Lagos a convidou para frequentar o Colégio Interamericano de Defesa, em Washington.
De regresso ao Chile, Michelle Bachelet é nomeada assessora do Ministro da Defesa.
Em 2000 é nomeada Ministra da Saúde e, dois anos volvidos assume a pasta da Defesa.
Bom...e depois, deixa os todos os cargos ministeriais!
E porquê?
Para se candidatar à presidência da república.
Michelle Bachelet é eleita Presidente da República em 2006 e cumpre o seu primeiro mandato de quatro anos.
Após terminar o mandato presidencial, em 2010, foi nomeada pelo secretário Geral da ONU, Ban Ki-Moon, Secretária Geral Adjunta, cabendo-lhe a direção da recém criada Agência ONU-Mulheres.
Depois, volta ao Chile para se recandidatar à presidência da república. Em 2014, iniciou o seu segundo mandato de Presidente da República, que terminará no próximo ano.
Como seria de esperar, Michelle Bachelet duas vezes ministra ou Michelle Bachelet duas vezes Presidente da República, foi sempre uma mulher comprometida com os direitos humanos, com a equidade social, com a consolidação da democracia e, necessariamente, com o desenvolvimento económico sem o qual não seria sustentável o progresso social que o Chile hoje patenteia.
São marcas fortes – e esperamos indeléveis, no futuro – do seu governo, as políticas focadas na proteção infantil, na igualdade de género e na proteção da mulher, no acesso gratuito à educação e à formação superior, na segurança social e no sistema de pensões, no acesso aos cuidados de saúde e à habitação. Mas também o respeito pelos direitos das minorias como os dos homossexuais e dos povos indígenas.
A consolidação da democracia implicou não só uma atenção prioritária com as referidas políticas de apoio à inclusão social mas também a reconciliação da sociedade civil, em si mesma, dilacerada que foi durante 17 anos por tensões políticas extremadas; mas, não menos importante, foi a reconciliação da sociedade civil com as forças armadas.
O apreço do povo chileno pelo desempenho da sua Presidente ficou expresso na popularidade com que terminou o primeiro mandato, popularidade superou os 84%.
Sr. Presidente
Magnífica Reitora
Senhoras e senhores
Três histórias distintas num só livro de vida, a de uma jovem revolucionaria, a de uma médica responsável dedicada ao serviço público, e, finalmente, a de uma estadista.
Três histórias diferentes ligadas, percorridas por um fio de Ariadne: o compromisso com a liberdade. Liberdade que se consubstancia nos direitos humanos e que só em democracia se pode concretizar.
Por isso, em cada uma dessas voltas da vida, qual estádios metamórficos, em que Michelle Bachelet reencontra um novo registo para afirmar o seu compromisso,
Em cada uma dessas voltas da vida, dizia, imagino que se terá recordado daqueles versos de Paul Eluard
Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie,
Je suis né pour te connaitre, pour te nommer,
Liberté
Se porventura, das minhas palavras, alguém deduziu que Michelle Bachelet é uma mulher abnegada, qual Madre Teresa da liberdade e dos direitos universais, está enganado.
Na verdade, em todo o seu percurso de vida, Michelle Bachelet não abdicou de ser mulher, de amar, de se apaixonar, de casar e descasar, de ter filhos – e teve três - e de cozinhar para eles; e hoje, não abdica de cozinhar e cantar para os netos.
No discurso que proferiu, quando recebeu o Prémio Nobel, em 1982, Garcia Marques caracterizou a América Latina como (e cito) “esse reino sem fronteiras de homens alucinados e de mulheres históricas, cuja infinita obstinação se confunde com a lenda”.
Pois bem, Magnífica Reitora, é precisamente para uma dessas mulheres históricas, obstinada na defesa dos direitos humanos e na edificação da democracia, seguramente lendária no futuro, que venho advogar a outorga, pela Universidade de Évora, do doutoramento Honoris Causa.
Disse.
Jorge Araújo
Escutava ontem Mário Soares na sessão de lançamento de seu último livro – Cartas e Intervenções Políticas no Exílio – e a memória transportou-me para outros tempos, tempos anteriores a ele e eu termos partido para os nossos exílios. Era eu um gaiato de vinte e poucos anos, estudante do 3.º ano de engenharia mecânica do Instituto Superior Técnico e recentemente expulso da universidade; ele era um advogado de renome, um acérrimo opositor ao Estado Novo, que não hesitava em defender os presos políticos mesmo quando estes eram militantes comunistas, como eu.
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Fig.1 – Mário Soares agradece a David Castaño e a João Galamba a apresentação do seu livro
Foi há 50 anos que o conheci. Encontrámo-nos numa cela do Forte-prisão de Caxias-Sul, escura e fria, preparada para que o encontro dos presos com os seus advogados fosse o mais incómodo e, evidentemente, vigiado. Estou a vê-lo com uma farta cabeleira ondulada, bochechas já salientes, a mesma voz ligeiramente nasalada e um optimismo encorajante. Nem uma só palavra que denunciasse algum diferendo de natureza ideológica.
Tornámo-nos a encontrar pouco tempo depois, no Tribunal da Boa-Hora – mas de má memória – perante o famigerado Juiz Silva Caldeira e os acusadores da PIDE. O seu objectivo, como advogado de defesa, era evitar que me condenassem a uma “pena maior”. Na verdade, a uma “pena maior” acresciam sempre “medidas de segurança” que prolongavam arbitrariamente a pena por períodos de 3 anos, indefinidamente prorrogáveis. Conheci alguns alentejanos nessas circunstâncias. Mário Soares conseguiu que o meu “castigo” se reduzisse a um ano: um ano durante o qual pude assistir, de uma janela de Caxias, sempre aberta à chuva e ao vento, ao levantamento dos pilares da ponte sobre o Tejo.
Muitos anos passaram e, com eles, os nossos exílios. Voltámos a encontrar-nos quando ele era Presidente da República e eu, Reitor da Universidade de Évora. E depois disso, Mário Soares visitou a Universidade várias vezes, acompanhando diversos eventos e concedendo o seu alto patrocínio à criação da Fundação Luís de Molina. Quando terminou as funções de supremo magistrado da Nação, a UÉ, por minha iniciativa, outorgou-lhe o grau de Doutor Honoris Causa, tendo sido seu patrono, o Director Geral da Unesco, Frederico Mayor Zaragoza.
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Fig. 2 - Mário Soares numa das várias visitas à UÉ
Ao aproximar-se dos 90 anos, Mário Soares anunciou, perante uma sala do CCB cheia de amigos e admiradores, que ainda tenciona escrever mais alguns livros, de testemunho sobre períodos históricos que viveu e sobre as personalidades ímpares que conheceu em todo o Mundo.
Mário Soares foi sempre uma personalidade maior – e consequentemente controversa – pela clarividência política, pela coragem e acutilância com que defende os princípios em que acredita, mas também pela humanidade que impregna o seu percurso de vida. Destaco neste momento a coragem que se lhe reconhece de priorizar a amizade mesmo que para isso, infrinja dos cânones do “politicamente correto”. Recordo que Mário Soares, então Presidente da República, teve a coragem de ir à Tunísia, em 1994 salvo erro, testemunhar a sua amizade a Bettino Craxi, que fora Primeiro Ministro Italiano de um governo socialista e que se encontrava fugido à justiça no âmbito do processo “mãos limpas”.
Jorge Araújo
Depois da fusão das duas maiores universidades de Lisboa, assiste-se agora à criação da UNorte em resultado de um consórcio entre as três universidades públicas do norte, as universidades do Porto, do Minho e de Trás-os-Montes-e-Alto-Douro. Estará para breve, supõe-se, a criação de semelhante consórcio entre as universidades do Centro do País (Aveiro, Coimbra e Beira Interior).
A Universidade Nova de Lisboa, não tendo sido convidada a integrar a nova Universidade de Lisboa, optou por uma via inteligente que consiste em instalar um novo campus numa das zonas mais populosas da periferia da Capital, em parceria com Câmara Municipal de Cascais, a qual ofereceu o terreno, e com o apoio financeiro de diversas empresas. Nascerá assim em 2016, a School of Business & Economics (SBE) numa área de 10 hectares, junto ao Forte de São Julião da Barra.
Assiste-se pois, no seio da rede de ensino superior público, a movimentos de aglutinação e diversificação que tendem a responder a dois imperativos estratégicos: aquisição de dimensão competitiva e internacionalização.
A dimensão é importante porque permite melhorar a qualidade da oferta formativa, racionalizar a gestão dos recursos baixando, nomeadamente, os custos de formação por aluno, e alcançar patamares superiores no ranking da produção científica. Através da internacionalização, estas super-universidades conseguem, nomeadamente, cativar públicos estrangeiros de modo a superar a eventual perda de “clientes” nacionais. A aposta na captação de novos alunos passa pelo mercado africano, nomeadamente Angola; mas também África do Sul, América Latina e Canadá onde o principal alvo são os portugueses de segunda geração que vivem nesses países. Mas a internacionalização visa também a captação de fundos comunitários, designadamente do programa Horizonte 2020, cujo acesso é reservado para quem demonstre relevância científica.
Nada disto é verdadeiramente inovador relativamente ao que se conhece de países europeus. Não existem modelos únicos. Cada realidade, com os seus matizes regionais, económicos, sociais, etc. gera - ou não - as suas soluções; reage - ou não - às circunstâncias; em última instância, prepara-se - ou não - para sobreviver. Porque é disso que se trata!
Não existem modelos únicos, repito: as universidades de Lisboa, a “Clássica” e a Técnica, optaram pela fusão; as universidades do norte preferiram o modelo de consórcio; a Universidade Nova optou pela via da expansão conseguindo drenar 50 milhões de euros de instituições privadas e apoio camarário. O que podemos constatar é que grande parte do País reage à crise, mostra vitalidade e engenho.
E no Sul?
No Sul, tanto quanto me é dado saber, existe uma única proposta, por sinal, da minha autoria, e de longa data: a criação de uma grande academia – a Academia do Alentejo ou, mais ambiciosamente, a Academia do Sul – que dê corpo ao conjunto de pequenas instituições: as universidades e os institutos superiores politécnicos da Região ou das Regiões. Preconiza-se a constituição de um consórcio em modelo de confederação que, garantindo a individualidade de cada instituição, propicie a gestão conjunta dos recursos, a racionalização e a qualificação da oferta formativa, a consolidação da capacidade científica em torno de alguns domínios do saber e do saber fazer, a mobilização conjunta das capacidades com vista ao desenvolvimento regional, bem como a internacionalização quer no que concerne à formação das equipas científicas e ao acesso aos fundos comunitários, quer através da captação de alunos visando não só o espaço da lusofonia mas também do Magrebe e dos países onde a aprendizagem do português se intensifica, como a China.
O modelo é diferente dos outros porque agrega universidades e institutos superiores politécnicos. Mas, na verdade, repare-se, também as universidades são diferentes das outras porque são duais, isto é, elas próprias encerram em si os dois tipos de ensino superior, o universitário e o politécnico.
A união faz a força, diz o povo! Na verdade, afigura-se-me ser a única via para a sobrevivência face aos grandes polos aglutinadores, de ensino superior e de investigação científica e tecnológica, que se constituem a norte do Tejo.
Espero que as nossas instituições sejam capazes de romper com concepções paroquiais que ainda subsistem e com rivalidades de fundamento obscuro que lhes retiram operacionalidade; que sejam capazes de unir esforços a bem das suas próprias instituições, da Região e do País.
Jorge Araújo
Prof. Emérito da Universidade de Évora
Sou um observador externo: nem alentejano e, em boa parte, um estrangeirado. O meu olhar sobre Rui Nabeiro não passa pelo crivo dos padrões nacionais que privilegiam o sucesso empresarial, embora não o menorize. Identifico e saliento em Rui Nabeiro muitas outras facetas que compõem uma personalidade de raro quilate no universo português. Confesso que sou um dos seus grandes admiradores, e estou grato à vida por ter tido a oportunidade de lhe outorgar o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Évora.
O sucesso empresarial de Rui Nabeiro é amplamente reconhecido, tendo merecido inúmeras distinções e homenagens, tanto em Portugal como no estrangeiro: prémios que distinguiram a sua actividade como empresário, o carácter social das suas empresas, o sucesso comercial, a qualidade ambiental, a contribuição para a economia nacional, etc.
Mais ainda, em 1995 foi agraciado com o título de Comendador pelo Presidente Mário Soares; em 2006 foi distinguido pelo Presidente Jorge Sampaio com a Grã Cruz da Ordem do Infante; em 2009 foi agraciado, em Espanha, com a Comenda da Ordem de Isabel a Católica. Em 2011 foi nomeado Cônsul Honorário de Espanha, em Elvas e agraciado com a Medalha da Extremadura.
A par da actividade empresarial, a cidadania de Rui Nabeiro expressou-se também noutros planos, como na gestão autárquica, tendo estado catorze anos à frente da Câmara Municipal de Campo Maior, e na gestão do seu clube de futebol, o Sporting Campomaiorense, do qual foi presidente durante dezanove anos.
Centrar-me-ei não no empresário mas no cidadão Rui Nabeiro destacando três aspectos que contribuem, a meu ver, para que seja uma personalidade singular pelo seu humanismo; singular não só no meio empresarial português, mas na sociedade em geral. Referir-me-ei à fraternidade que ele inculcou na edificação do seu império empresarial. Destacarei a sua paixão pela educação. Salientarei a consciência que lhe assiste da importância do conhecimento e da investigação científica que o gera.
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Na verdade, o primeiro traço distintivo da personalidade do cidadão a que me refiro é o de uma pessoa socialmente integrada e integradora.
Eu explico-me: Rui Nabeiro subiu todos os degraus da vida com a tenacidade que é comum nos alentejanos; mas sem jamais esquecer que não os subiu sozinho. Ele tem seguramente consciência de que é detentor de qualidades pouco comuns, de visão do caminho a percorrer, de percepção das oportunidades, de perseverança e de coragem, de sobriedade, também. Mas jamais esquece aqueles que o acompanharam e que o ajudaram a construir o seu império. Ele tem plena noção de que, por mais genial que um homem seja, nada de notável conseguirá produzir se não contar com o seu semelhante; o seu semelhante foi o seu companheiro.
Nas suas empresas respira-se um ambiente de fraternidade e de respeito. Os funcionários são mais do que colaboradores, são companheiros quase na acepção etimológica do termo, aqueles “com quem se partilha o pão”. Por isso, as suas empresas são polos de integração social. É essa cumplicidade urdida de geração em geração, que integra os homens, as mulheres e os filhos, e os filhos dos filhos, que, em grande parte justifica o sucesso empresarial do grupo Nabeiro; que lhe confere também resiliência face às flutuações aleatórias dos mercados e dos contextos políticos e financeiros.
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O segundo traço notável da personalidade de Rui Nabeiro, que o distancia de muitos outros, é a paixão pela educação.
Rui Nabeiro aprendeu por si que a riqueza das nações não está nos poços de petróleo nem em outras benesses naturais, mas está nos homens, no seu trabalho; e sobretudo, no trabalho valorizado pela educação. Não foi preciso conhecer os meandros das neurociências para intuir a imensa capacidade que reside no cérebro de uma criança, qual ardósia onde muito se pode escrever… ou se pode, desleixadamente, nada escrever. Não foi preciso estudar Montessori e outros pedagogos para compreender a importância da harmonização do espírito e do corpo, bem como a imensa capacidade de aprendizagem de que dispõe o ser humano em tenra idade.
Rui Nabeiro sabe que as crianças são o maior recurso que uma nação possui para edificar um futuro de bem-estar social, de riqueza cultural, de sucesso em todos os azimutes, enfim, um futuro de progresso. Por isso ele sonha com um Portugal verdadeiramente democrático que ofereça a possibilidade a cada menino de hoje, de vir a ser amanhã um cidadão interventivo e criativo…empreendedor.
Rui Nabeiro dá o exemplo do que deveria ser feito, mobilizando recursos gerados pelas suas empresas para a criação de uma escola modelo. Cria em Campo Maior, um Centro Educativo, ao qual veio a dar o nome de sua esposa, Alice. Trata-se da concretização de um sonho extraordinário, o de proporcionar às crianças a oportunidade, que ele próprio não teve, de explorarem ao máximo as suas potencialidades cognitivas e neuromotoras. Desconheço se existem outros centros educativos semelhantes no país. Ali, eu sei que se harmonizam os conhecimentos inerentes ao ensino básico com o desenvolvimento das expressões artísticas e corporais, o fomento da literacia e da numeracia, bem como a destreza linguística e informática.
Mas o seu empenho pela educação não se restringe ao seu Centro Educativo. Tem participado nos órgãos sociais de instituições de ensino superior, nomeadamente do Instituto Politécnico de Portalegre e da Universidade de Évora, oferecendo o contributo da sua experiência e da sua generosidade para bom funcionamento dessas instituições. E criou ainda o seu próprio Centro Internacional de Pós-Graduação, que tem sido frequentado por centenas de profissionais.
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O terceiro aspecto da sua personalidade que irei sublinhar é a valorização que atribui ao conhecimento e o reconhecimento do papel da ciência como motor de progresso.
Sabemos que o conhecimento é património universal; actualmente, é o fruto da investigação científica, da experimentação e do desenvolvimento tecnológico levados a cabo em todo o mundo por investigadores e experimentadores. Uma vez divulgado e publicado, o conhecimento é património público e, com algumas excepções, fica acessível a quem o souber utilizar. As empresas são dependentes do conhecimento; incorporam-no constantemente nos seus produtos e nos processos funcionais com vista à inovação e à manutenção da competitividade, não se apercebendo sequer quanta investigação científica subjaz a coisas tão simples como à tinta que empregam nos rótulos ou aos materiais de embalagem.
Em Portugal, o financiamento da ciência é essencialmente público, pois a empresas, em geral, limitam-se a ir colher os frutos da investigação no depósito comum, que é universal, não cuidando de o alimentar, não se preocupando com o retorno que é moralmente devido, embora voluntário.
Mas há excepções. E Rui Nabeiro é uma dessas notáveis excepções que merece ser lembrada e louvada. Na verdade, a Cátedra de Biodiversidade por ele apoiada na Universidade de Évora com um significativo envelope financeiro por um período confortável de cinco anos, foi a primeira cátedra suportada pela indústria em Portugal, decorrendo daí uma produção científica (mais de uma centena de publicações) acolhida pelas revistas científicas internacionalmente mais conceituadas, e um Museu Virtual da Biodiversidade dedicado a todos os jovens do país.
O seu exemplo foi seguido, outras cátedras foram posteriormente criadas. Este facto testemunha mais uma vez a perspectiva social com que o cidadão Rui Nabeiro se concebe na pele de empresário.
Rui Nabeiro não é só mais um homem entre os homens; é um homem reconhecido e solidário; um homem com uma profunda confiança nas gerações futuras, para cuja formação procura contribuir activamente; um homem para quem o facto de não ter frequentado a universidade, não impede de compreender a importância do conhecimento em todo o espectro das actividades humanas e que não hesitou em ser pioneiro dando o seu apoio generoso à investigação científica.
É legítimo esperar que os seus descendentes mais jovens, formados nas melhores universidades, honrem o exemplo de humanismo, de generosidade e de clarividência que Rui Nabeiro projecta ao longo do seu trajecto de vida.
(Texto publicado da Revista da Delta e transcrito aqui por ocasião do encerramento da Cátedra)
Jorge Araujo
Prof. Emérito da Universidade de Évora
Agora que se fala da possível (mais que certa!) transladação do Eusébio para o Panteão Nacional, onde repousam os heróis nacionais, seria de elementar justiça proceder de igual modo para com os restos mortais da irmã Lúcia. Com efeito, a irmã Lúcia levou o nome de Portugal tão longe ou mesmo mais do que Eusébio tendo premonizado…atenção! a queda da União Soviética e do comunismo, o que de facto se cumpriu (o PCP não caiu mas é, objectivamente um aliado da direita – veja-se a moderação com que, sob a sua batuta, são contestadas as medidas impopulares do Governo e os louvores que recebe, em troca, dos bem pensantes da direita). Estou certo de que Fátima mobiliza e mobilizará muito mais cidadãos do Mundo do que a estátua do Ronaldo…desculpem, do Eusébio, com ou mesmo, sem cascóis.
Há uma outra razão que reforça esta proposta: completar-se-iam, no Panteão Nacional, os representantes dos três Fs em que o fascismo se apoiou: Fátima, Futebol e Fado.
Fátima é hoje venerada por milhões de crentes de todo o Mundo e tem uma vantagem acrescida relativamente ao Eusébio: não induz em erro pois nenhum ignorante terá a peregrina ideia de localizar Portugal entre os países africanos. Portanto, na qualidade de embaixadora, Lúcia cumpre, de longe, com mais rigor a sua função.
É certo que Eusébio é “Património nacional” decretado por Salazar, ao contrário da irmã Lúcia. Et pour cause! Ele cumpriu uma função importantíssima caucionando o conceito propagado internacionalmente pelo Estado Novo, de que Portugal era um “Estado multicontinental e multirracial”. Eusébio, que o povo idolatrava, era o “preto” de serviço, ao serviço dos interesses do fascismo. Nunca se preocuparam em ensinar-lhe o quer que seja nem remunerar condignamente a sua mestria natural desenvolvida nos subúrbios pobres de Lourenço Marques; e quando quis ir para Itália, barram-lhe a fronteira.
Na mesma época, Baptista Pereira atravessou os 34 km do Canal da Mancha, a nado, batendo o recorde mundial e levando o nome de Portugal para as manchetes dos jornais, em todo o Mundo. Mas esse era…comunista, e rapidamente o puseram em repouso em Caxias-sur-mer. Deste não reza a história mas quem estiver interessado em o conhecer, leia o romance de Soeiro Pereira Gomes, Esteiros, onde o “Gineto” já revelava grandes qualidades de nadador.
Amália Rodrigues, cujo colo me ajudou a suportar, enquanto criança, umas quantas noitadas na Lisboa de então (o acesso não era ainda condicionado pela idade!) foi igualmente aproveitada pelo poder político para narcotizar o povo na cultura do fatalismo e da desgraça. Terá aproveitado as mordomias de que foi objecto mas duvido que se tenha deixado impregnar ideologicamente. A esquerda de então (cuja semelhança com a esquerda actual é pura coincidência) apelidou, e bem, o fado de “ópio do povo”, adjectivo que se aplicava com igual propriedade á religião paroquial e ao futebol.
O fascismo utilizou habilmente os elementos mobilizadores dos sentimentos populares mais simples, que lhe estavam à mão, para narcotizar as potenciais reacções à sua política: o futebol, o fado e a aparição de Fátima. Muito pouco mudou de então para cá. Vimos os dirigentes políticos nacionais, da direita à esquerda, carpir, associando-se à idolatria de um homem simples e simpático, indubitavelmente talentoso, mas alheio, creio, às maquinações de que foi alvo.
Mas eu volto à irmã Lúcia. Dos três “heróis” nacionais foi quem premonizou, em Portugal, o “trambolhão” político e ideológico com maiores repercussões mundiais, que maior número de pessoas mobiliza anualmente e que inspira uma das actividades empresariais mais lucrativas… e patrióticas pois creio que, para efeitos fiscais, ainda não estará sediada na Holanda.
Por todas estas razões apoio a transladação dos restos mortais da irmã Maria Lúcia, falecida em 2005, para o Panteão Nacional, convicto de que, tratando-se de uma pequena urna de ossadas, não pesará demasiado no orçamento da Assembleia da República.
Jorge Araújo
Prof. Emérito da Universidade de Évora
O Sistema de Ensino Superior Público comporta 17 universidades e 15 institutos superiores politécnicos, para além dos institutos de cariz militar, distribuídos por 18 distritos administrativos e 2 regiões autónomas. Provavelmente, se o Estado tivesse de edificar hoje a sua rede de ensino superior, optaria por um número inferior de instituições. Mas o facto real é que elas existem com toda a legitimidade e são responsáveis pela “geração mais bem formada de sempre”, como os dirigentes políticos invocam regularmente. São instituições internacionalizadas, que aprenderam a gerir-se completando o OE com importantes financiamentos captados por motu proprio, em diálogo com as empresas, as entidades promotoras de investigação científica, as instâncias europeias, etc. Contrariamente a outros sectores, o Sistema de Ensino Superior Público revela uma extraordinário rigor de gestão e não surpreende a tutela com quaisquer défices financeiros.
Contudo, é razoável que o Estado, que é o “dono” do Sistema, entenda promover a sua regulação, em particular no que concerne a oferta de formação inicial (1.os ciclos universitários e politécnicos) quando, como agora, se regista uma forte quebra da procura por parte da população juvenil e, porventura, a necessidade de diversificar os modelos de formação. A questão é pertinente mas extremamente delicada, nomeadamente porque as instituições dispõem, por força de lei, de autonomia académica, administrativa e financeira. Manda o bom senso que o Governo pegue neste assunto com “pinças” e procure alicerçar a reforma num consenso político alargado, de modo a garantir que amanhã, as instituições não sejam confrontadas com um diferente propósito.
Há muito que se esperava de o Governo que, expressamente, se anunciava reformista, procurasse intervir no Sistema de Ensino Superior. Finalmente, por circular datada de 22 de Outubro, foram as Instituições notificadas pelo Secretário de Estado do Ensino Superior de que o Governo entende reformar o Ensino Superior até Março de 2014, pelo que deverão, aquelas, enviar até Dezembro de 2013, contributos nomeadamente sobre a constituição de redes regionais e respectivos órgãos de coordenação da oferta formativa. A referida circular refere ainda como figurinos possíveis para a dita rede regional, a fusão e o consórcio.
Um passado recheado de consensos
Recorde-se que, apesar das rivalidades sub-regionais, as instituições de ensino superior do Alentejo e da Lezíria têm um longo historial de consensualização e de cooperação, o qual poderá, agora, constituir um esteio sobre o qual edificar uma estrutura que responda ao esforço de racionalização pretendido.
A questão da racionalização da oferta formativa e da cooperação científica é antiga e esteve subjacente à nossa iniciativa de criação, em meados dos anos 90, da Rede Regional de Ensino Superior que reuniu a Universidade de Évora aos Institutos Superiores Politécnicos de Beja, Portalegre e Setúbal, parceiros então na administração da UNESUL[1].
Mais tarde, a partir de 2006, coube-me sugerir a criação da Academia do Sul, que incluiria também a Universidade do Algarve e o seu Instituto Politécnico, bem como o ISP de Santarém (e excluía o ISP de Setúbal). Esta iniciativa não teve o respaldo esperado por parte do Governo. Mas é igualmente verdade que a maturação da ideia de consorciar competências ainda não tinha chegado, muito embora se justificasse amplamente, quer pela replicação da oferta formativa que ocorria já em contra ciclo com a dinâmica de acesso ao ensino superior, quer do ponto de vista da gestão dos recursos humanos e outros.
Por iniciativa do Sr. Reitor da Universidade do Algarve, Prof. João Guerreiro, reflectiu-se também sobre a criação da Área do Conhecimento do Sudoeste Ibérico que incluiria as universidades de Évora e do Algarve, bem como as de Cádis, Huelva e Badajoz. Esta estrutura contaria hipoteticamente com o apoio comunitário mas também não chegou a conhecer a sua hora de glória.
A partir de 2008, tomámos a iniciativa de gerar um consenso de maior envergadura que designámos por Rede Regional de Ciência e Tecnologia do Alentejo (RRCTA), com vista à elaboração de um projecto susceptível de se candidatar ao Programa Operacional do Alentejo (InAlentejo) tendo como objectivo principal a criação de um Parque de Ciência e Tecnologia no Alentejo.
O referido projecto, designado Programa Estratégico do Sistema Regional de Transferência de Tecnologia (SRTT), envolvia um consórcio de 21 parceiros (entre os quais os ISP de Santarém, Portalegre e Beja), liderado pela Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo (ADRAL) e, tendo sido aprovado, foi-lhe atribuído, em Janeiro de 2010, um financiamento de 41,8 milhões de euros.
Este relato destina-se a mostrar como as instituições de ensino superior da região são capazes de se consensualizar em torno de objectivos precisos e de polarizar, para eles, outros parceiros, nomeadamente empresariais.
Um consenso para a regulação da oferta formativa
Creio ser finalmente chegado o tempo de procurar uma consensualização em torno da oferta formativa. Recentemente, o assunto foi abordado pelo Sr. Presidente do CRUP num dos jornais televisivos, reconhecendo o Reitor Prof. António Rendas a necessidade de introduzir algum grau de especialização na Rede em alternativa à situação actual em que “estão todas a fazer a mesma coisa”.
A questão que se coloca de imediato é saber quais os sectores pelos quais se opta para neles incidir o esforço de especialização. Em regime democrático, esta opção deve assentar numa metodologia amplamente participada (portanto, morosa) até porque, quaisquer que sejam as opções decorrentes, elas implicam necessariamente com interesses instalados e interferem com a vida de pessoas.
O meu pensamento sobre este assunto é conhecido, esteve subjacente às diversas iniciativas tomadas e atrás relatadas, e tem sido objecto de alguns textos que foram tornados públicos durante o meu tempo de Reitor e posteriormente também. Em suma, assiste-me a convicção de que:
Dito isto e encurtando razões afigura-se-me que um dos figurinos pertinente seria o de consórcio configurado como uma confederação.
Por que não o de fusão? Por duas razões: a primeira, porque a fusão implicaria que a identidade de cada instituição se subsumisse a favor da emergência de uma nova entidade (o que é de todo impossível com a UÉ, por exemplo, herdeira de uma “marca” que é património histórico, multissecular); segundo, porque a fusão ocorre em geral entre um pequeno número de instituições fisicamente próximas (caso das universidades de Lisboa e de Copenhaga)[2].
A Academia do Alentejo
Atendendo aos contornos geográficos determinados pelo Ministério, o referido consórcio poderia designar-se por Academia do Alentejo e deveria beneficiar de um período de instalação de um ou dois anos.
No meu ponto de vista, a Academia do Alentejo configurar-se-ia como uma confederação entre a Universidade de Évora, os Institutos Politécnicos de Beja, Portalegre e Santarém e instituições regionais dedicadas à investigação científica (por exemplo, o CEBAL – Centro de Biotecnologia do Alentejo). Este modelo permite, ao invés da federação, que cada instituição conserve a sua identidade e os seus órgãos dirigentes com a plenitude dos poderes que a lei lhes consagra.
A confederação pressupõe a existência de uma instância de governo que, não competindo com as direcções das entidades confederadas, teria por missão assegurar a coordenação e a cooperação entre as partes. Nos tempos presentes, seria pertinente que a Academia do Alentejo delineasse a oferta formativa de 1.º ciclo universitário e politécnico, na Região, tendo em conta, nomeadamente, o potencial humano instalado e as necessidades evidenciadas pelo tecido empresarial, como também promovesse uma gestão conjunta dos recursos humanos e outros, de modo a gerar economias que beneficiassem todos os parceiros.
Este modelo, configurado com um determinado período de instalação, permitiria que o consórcio pudesse ser criado em breve, dentro dos prazos pretendidos pelo Ministério na base de um acordo genérico (que não obrigasse a instituições parceiras a tomar decisões apressadas) mas potencialmente evolutivo.
A Região merece um esforço de racionalização por parte das suas instituições de ensino superior, a bem do seu desenvolvimento.
Jorge Araújo
Fiquei agradavelmente surpreendido pela sensibilidade revelada por muitos dos membros do Conselho Geral da Universidade de Évora quanto à dimensão estratégica que se espera do governo da casa, particularmente expressa no nível de exigência subjacente aos pedidos de esclarecimento dirigidos ao Reitor.
Para mim é tanto mais gratificante quanto, desde há alguns anos, venho referindo a necessidade de a Universidade de Évora responder às adversidades com uma estratégia delineada para o desenvolvimento e, em última instância, para a sobrevivência, em lugar de carpir sobre cada corte orçamental.
Na realidade, quer gostemos ou não, a rede pública de Ensino Superior vai, à semelhança dos hospitais, dos tribunais ou das Forças Armadas, etc. viver com menos recursos transferidos do Estado. Quem não previu…estava distraído; quem não preveniu, foi imprevidente.
Desde o ano fasto de 2010, em que o OE caiu no regaço da reitoria reforçado em 10 milhões de euros em virtude do Contrato de Confiança que eu próprio assinei em finais do meu último mandato, as transferências do Estado têm vindo a diminuir, desenhando uma “curva” que deveria ter suscitado uma atitude pró-activa e não meramente reactiva.
Independentemente da crise financeira que nos atinge, a quebra de procura do ensino superior vem anunciada desde há muito nos estudos elaborados pelo CIPES, pelo que teria sido judicioso ter dado continuidade às medidas estratégicas que anteciparam o agudizar do estrangulamento financeiro e a referida diminuição da procura.
Desde que os orçamentos das universidades começaram a afastar-se do padrão (1997) e a aproximar-se da “linha vermelha”, e que foram conhecidos os estudos acima referidos, o delineamento de estratégias de desenvolvimento que nos pudessem proporcionar uma capacidade de sustentação acrescida, ganhou em nós uma dimensão quase obsessiva. Referirei apenas algumas.
Um conjunto de medidas tomadas, decorrentes do pensamento estratégico, recorreram ao conceito de “âncora” pois consistiram em soluções das quais se esperava a sustentação de áreas inteiras onde se temia que ocorresse um progressivo resvalar para a irrelevância.
As Ciências Agrárias constituem uma área fundacional da UÉ e, a justo título, uma das suas bandeiras. Contudo, as Ciências Agrárias sofreram um período de forte recessão na sequência do abandono generalizado da agricultura induzido aparentemente por opções europeístas. Pouquíssimos eram os alunos que ingressavam nos cursos de engenharia, quer zootécnica, quer agronómica, em contraste com os cerca de 120 que se recebiam em anos anteriores. A abertura da Licenciatura em Medicina Veterinária, conjugadamente com a criação do Hospital Veterinário, antecipou de certo modo o que era espectável. Na verdade, consistiu numa decisão “âncora” que susteve todo o sector na pior fase da sua trajectória. Hoje, as Ciências Agrárias estão de novo no caminho de poderem vir a constituir um dos pilares fundamentais da Instituição. Recordemos, a propósito, que a UÉ é detentora de um vasto património fundiário, com cerca de 700 ha abrangidos, em boa parte, pelo perímetro de rega do Alqueva que pode e deve dar apoio à formação dos nossos diplomados.
A área das Ciências e Tecnologia não agronómicas padece da competição tenaz quer da Faculdade de Ciências de Lisboa, quer do Instituto Superior Técnico ou ainda da Universidade Nova de Lisboa. Havia que identificar subsectores onde a UÉ pudesse “furar” oferecendo uma alternativa credível. Escolhemos duas “âncoras” e apostámos nelas, drenando financiamentos externos: as Energias Alternativas e a Biodiversidade versus Alterações Climáticas. A reflexão estratégica apontou para a criação de “Cátedras” suportadas por empresas com um volume significativo de financiamento anual. Como resultado, a UÉ viu aumentada significativamente a sua produção científica e a respectiva visibilidade, e adquiriu uma posição nacional e internacional relevante em qualquer dos dois domínios.
Nas Ciências Humanas e Sociais é particularmente difícil identificar um sector que se diferencie ao ponto de poder ganhar o estatuto de “âncora”. O Património, a Arqueologia e a Tradução perfilavam-se para desempenhar essa função. A equipa fundadora do Centro Hércules, consagrado à preservação do Património, conseguiu, graças ao seu próprio dinamismo, estabelecer a ponte entre as humanidades e as ciências experimentais e conquistar uma posição internacional relevante. Ao invés, a Arqueologia, apesar de ter ao seu alcance os Campos Arqueológicos da Ammaia e de Mértola, bem como as ruinas da Vila romana de Pisões, e de ter beneficiado de apoios substanciais da UÉ e da FCT regrediu à condição inicial. Na verdade, pode considerar-se que foi uma “âncora” que se soltou!
As Ciências da Saúde estiveram expressamente arredadas do elenco de ensinos da Universidade de Évora pela bula “Cum a Nobis”, através da qual o Papa Paulo IV autorizou a criação da segunda Universidade do Reino, em 1559. Curiosamente, as Ciências da Saúde também não figuravam nas atribuições do Instituto Universitário de Évora, em 1973. A partir de meados da década de 90, entendemos contrariar esse atavismo e iniciou-se um processo conducente à incorporação da Escola de Enfermagem São João de Deus na UÉ, o que veio a verificar-se muitos anos mais tarde. Ninguém poderá negar, hoje, o peso dessa “âncora”, o valor estratégico da decisão que lhe subjaz, bem como as oportunidades que encerra para o futuro da Instituição.
As Artes foram consideradas por alguns, depreciativamente, como a “flor na lapela do Reitor”. A criação dos cursos artísticos suscitou então reacções antagónicas extremadas e, mesmo depois de as licenciaturas terem “vingado”, verificaram-se esforços, em sede de revisão estatutária, para lhes retirar a autonomia e a especificidade. Estratégica foi igualmente a contratação de profissionais de topo para encabeçarem cada um dos departamentos (entretanto, quase todos afastados). A Escola de Artes é hoje, sem qualquer sombra de dúvida, um dos pólos mais promissores da UÉ, quer pela adesão que o público continua a manifestar, quer pela excelência da formação aí ministrada que se repercute em prémios alcançados todos os anos, a nível nacional e internacional, quer ainda pelo papel de dinamização cultural que desempenha na cidade.
Em vésperas de sermos obrigados a identificar parcerias com outras instituições de ensino superior (o que há muito se anunciava) com vista, nomeadamente, à regulação da oferta formativa e à partilha de resursos, afigura-se ser útil conhecer as opções da Universidade de Évora quanto ao estatuto de cada sector ou subsector do seu espectro de ciência e de ensino, no quadro de um eventual consórcio. Essa reflexão, a ter sido feita, não se espelha de todo no projecto de Plano de Desenvolvimento Estratégico reprovado pelo Conselho Geral ou quaisquer outros documentos. Receio que agora não haja oportunidade para o fazer dentro do curto prazo determinado pelo Ministério, mas convoca seguramente os candidatos a reitor à reflexão aberta e à expressão de propostas criativas.
É urgente dotar a Universidade de um Reitor e de uma reitoria que manifeste a capacidade de manter a porta da mente sempre aberta aos sinais de mudança, mas também a coragem para assumir as opções inerentes à governança estratégica, sendo certo que não existem opções sem dor nem estratégias gratuitas.
Jorge Araújo
Sou de uma geração para a qual o Estado, quer no seu paradigma totalitário, quer, depois, democrático e social, constitui um padrão de seriedade no que concerne às contas para com os cidadãos. Salários e reformas pingavam na hora certa, sem falha de um cêntimo. Podia pagar pouco, mas pagava regularmente, dizia-se. Por isso, os empregos no Estado eram procurados pelos menos ambiciosos; os outros iam, naturalmente tentar a sorte junto dos privados que ofereciam carreiras mais promissoras. Um emprego no Estado, para um jovem, garantia as condições para se casar e constituir família. O Estado era, desse ponto de vista, um monólito inamovível. Quer se gostasse ou não da forma como era governado, podíamos confiar-lhe as nossas economias e os nossos descontos para a reforma de velhice, para o apoio ao cônjuge em caso do nosso falecimento…enfim, era o um “padrão absoluto”. Os contratos com o Estado eram garantidos para a vida inteira e para todo o sempre.
Com este Governo, uma confiança cultivada desde tempos imemoriais foi abalada e pode vir a ser desfeita. Os cortes salariais são acompanhados pelos cortes nas pensões e reformas contributivas de velhice mas também pelos cortes nas pensões e reformas de sobrevivência. Não interessa o montante: sempre houve pensões pequenas e grandes; em qualquer dos casos, os funcionários descontaram dos seus salários aquilo que o Estado entendeu ser correcto para garantir, ao fim de um número de anos que o Estado definiu, um determinado rendimento que o próprio Estado estipulou.
Os cortes agora impostos consubstanciam uma ruptura dos contratos que ligavam os cidadãos ao Estado e que assentavam numa confiança cega. Essa ruptura é socialmente gravíssima; a sua importância extravasa, em muito, a questão salarial, pois toda a arquitectura social tem por base a confiança dos cidadãos no Estado. Por exemplo, a credibilidade das certidões académicas ou a garantia dos certificados de aforro tem por base a confiança em que o Estado procedeu de modo a garantir uma boa formação escolar ou que, no caso do aforro, que não altera as condições de remuneração do capital investido a seu belo prazer.
Os episódios a que assistimos a propósito das medidas que foram solenemente anunciadas, podem encontrar uma explicação (não umajustificação!) na “aflição” gerada pela imposição da tróica em matéria de défice das contas públicas. O comportamento do Governo não se diferencia daquele que se observa em drogados que roubam tudo o que estiver à mão, que seja a colher de prata da avó ou as economias da mãe, para satisfazer o dealer.
Tão óbvios quanto o próximo roubo, pelo drogado, serão os novos cortes que o governo efectuará no orçamento seguinte. Na verdade, nenhuma destas medidas consubstancia uma redução estrutural dos encargos do Estado, nada fica assegurado em matéria de sanidade das contas públicas e nada faz crer que a economia engorde e venha correr em seu auxílio.
A questão de fundo reside na incapacidade do Governo de diagnosticar os “pontos” onde o Estado é esbanjador e de proceder em conformidade. Há muito que se espera por um famoso “guião” da reforma do Estado!
Posto “entre a espada e a parede”, não tendo arte para fazer o que deveria ser feito, o Estado lança mão do mais simples…rouba. É um Estado ladrão.
Daí a minha concordância com aqueles que caracterizam os governantes como delinquentes por atentarem reiteradamente contra a Constituição, e anunciam acções judiciais contra eles. Afigura-se-me tarefa prioritária de cidadania defender o Estado daqueles que o querem desacreditar.
Mais do que uma questão de cidadania, é uma questão patriótica!
Aos membros da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior
Lisboa, 5 de Outubro de 2013
No momento em que se vão realizar eleições para a presidência da CNAES, vimos anunciar aos membros da Comissão a nossa decisão de não aceitar que o nosso nome seja submetido à votação.
As razões para a decisão agora tomada prendem-se com a quebra de confiança e de lealdade que o Estado Português promoveu, através do governo.
Com efeito, e para não sermos longos, tentaremos apresentar a justificação, baseando-nos em factos e tentando evitar os comentários políticos que habitualmente se usam.
Quanto a factos, há que assinalar o seguinte:
1. Em Dezembro de 2010, é publicada legislação proibindo os aposentados de receberem, a qualquer título, pagamento por qualquer actividade realizada no âmbito do Estado. Estava-nos vedado o recebimento da gratificação prevista na lei por ser membro e presidente da CNAES. Entendemos prosseguir a título gratuito.
2. Em 2011, foi feito um primeiro corte no subsídio de Natal. Entendemos prosseguir a título gratuito.
3. Em 2012, foram cortados os subsídios de férias e de Natal, na totalidade. Entendemos prosseguir a título gratuito.
4. Em 2103, foi introduzida a contribuição extraordinária de solidariedade e o corte dos 90% de um subsídio (este mais tarde declarado inconstitucional). Entendemos prosseguir a título gratuito.
5. Como previsível, após a cruzada do actual primeiro-ministro contra os aposentados e reformados, e, em particular, contra os aposentados da função pública, brandindo meias verdades (ou meias mentiras?) e argumentos falaciosos, o governo entendeu introduzir um corte adicional nas pensões dos actuais aposentados da função pública.Entendemos não prosseguir a título gratuito.
E esse entendimento tem razões claras:
a. Entre vários, o argumento da equidade foi brandido com vigor. Foi, no entanto, o próprio governo que, na proposta de lei enviada ao Parlamento, admitiu a hipótese de tudo voltar ao estado actual se a economia atingisse um conjunto de pressupostos (ainda que tal seja altamente improvável). O princípio da equidade foi, descaradamente, morto à nascença por quem tanto o defendia.
b. O primeiro-ministro afirmou que os pensionistas não haviam descontado para “estas pensões”. Como o Estado já, há muito, deixou de ser pessoa de bem, o senhor não mentiu, pois era de esperar que esse mesmo Estado não cumprisse a sua palavra. Esqueceu-se o primeiro-ministro de dizer que é por incompetência ou negligência dos vários governos que a Segurança Social e, em particular, a CGA caminham para a insustentabilidade, ou já lá estão. Não é, de modo algum, da responsabilidade dos aposentados a situação a que se chegou.
Há, aliás, aposentados que tentaram fazer algo que evitasse a situação actual. De facto, em princípios dos anos 90 (ou fins dos anos 80!), os reitores das Universidades sugeriram ao governo que permitisse aos membros das Universidades aderirem a um processo de “plafonamento” de pensões, a título voluntário. Na altura a CGA podia suportar a experiência, mas tal nem sequer foi considerado pelo governo de então. Hoje, talvez o problema actual não existisse, se a experiência tivesse sido aceite.
c. O argumento mais verosímil parece ser o da situação económica e financeira. E, só esse nos poderia ter convencido se tivesse sido bem apresentado. É, sem dúvida alguma, necessário cortar na despesa. Fica, contudo, por explicar a razão por que se volta a cortar, de novo, nos mesmos antes de se cortar àqueles
que têm sido mais poupados, fica por explicar por que não se fez qualquer reforma do Estado, fica por explicar por que não se toca a sério nas PPP’s, nas rendas e outros abusos/ilegalidades, ficando-se por negociações que mais parecem operações de cosmética. A inexistência de um rationale para estas decisões deixa-nos a sensação de que o resto não se faz porque é mais fácil cortar nos que têm menos poder reivindicativo.
Não nos restam muitas dúvidas de que, no fim de um processo de corte sério na despesa pública, pode haver necessidade de cortar em pensões. Independentemente das posições políticas que enformam algumas decisões, tal seria mais razoável do que o que se pretende agora fazer. No final de um processo racional de corte de despesas, nós próprios aceitaríamos, resignados e contrariados, esse corte, se verdadeiramente necessário, e poderíamos continuar a dizer “Entendemos prosseguir a título gratuito”.
Em conclusão, o Estado português, através do seu governo actual, embrulhou-se em explicações esfarrapadas que demonstram a sua incapacidade de ser leal com os cidadãos e de respeitá-los, não merecendo, por isso, a sua confiança. Mais do que receber, ou não, uma gratificação (a proibição de a receber não alterou a nossa postura até hoje), estão em causa princípios e está, também, em causa poder saber que trabalhamos gratuitamente para quem é leal e merece confiança. Ora, tal não é o caso, como se deduz. Nestes termos, decidimos não realizar a título gratuito, qualquer tarefa para a administração central, para a qual esteja
previsto um pagamento por lei, e que nos esteja vedado por sermos aposentados. O que irão poupar nas nossas pensões será inferior ao gasto na gratificação de quem nos substituir!
Mesmo que a proposta de lei, por hipótese remota, não venha a ser aprovada no Parlamento, a nossa posição mantém-se se a confiança não for reposta e, neste momento, está totalmente abalada.
Para quaisquer outras tarefas estaremos disponíveis. Sabemos que estamos em representação do CRUP, mas a actividade desenvolve-se, principalmente, com a administração central e esta, actualmente, não merece o esforço. Para o CRUP, continuaremos sempre disponíveis, sem restrições.
Solicitamos à CNAES que adie a eleição do Presidente e do Vice-presidente para a próxima reunião, para dar tempo ao CRUP de indicar substitutos.
Apresentamos as nossas melhores saudações académicas
Jorge Araújo
Virgílio Meira Soares
Jorge Araújo
O PS perdeu a Câmara de Évora, e não só. Em Évora era previsível desde há algum tempo. Dizia António Costa que a vitória se constrói nos quatro anos anteriores. É verdade…e aqui pouco foi feito nesse sentido que tenha sido ressentido pela população como um trabalho consequente: atolada em dívidas, a Câmara transmitia uma imagem paralisada, agarrando-se à perspectiva de empregos que a Embraer anuncia, como uma bóia de salvação.
Perante uma vereação que tinha vindo a manifestar desgaste constante, perdendo votos e agilidade em cada mandato de quatro anos, teria sido necessário …de duas uma: ou que o adversário insistisse num candidato indigente ou que o PS fosse capaz de dar um golpe de rins e apresentar-se novo em folha com um programa e um candidato credível.
Nem uma coisa, nem outra aconteceram.
O candidato adversário acaba um mandato de 12 anos numa câmara vizinha, prestigiado pelo seu bom senso e simpatia pessoal, pela sua probidade inquestionável e carreando a satisfação dos seus munícipes. A principal instituição pública da Região, a Universidade, reconhece nele um dos seus e deposita alguma esperança de melhoria das relações UÉ/CME. A Universidade representa uma fatia significativa do eleitorado.
O PS entreteve-se em dúvidas e atolou-se em birras intestinas quase até à véspera da campanha, hesitando na escolha do candidato, procurando-o dentro do círculo estreito controlado pelo aparelho. Em Évora não haveria algum socialista com prestígio, visão e espessura cultural para encabeçar o processo? Certamente que sim…mas o aparelho não o detectou…ou não quis arriscar numa solução eventualmente heterodoxa.
Neste contexto, o Programa – inquestionavelmente bem gizado por um professor da Universidade – não apareceu senão nas vésperas. Que se saiba, não foi aprovado por nenhum dos órgãos concelhios ou distritais. Mas sobretudo, não nasceu na cabeça do candidato a presidente. E, em boa verdade, também não foi divulgado: os munícipes não o conheceram.
Nestas circunstâncias teria sido útil para Évora que o Eng.º Manuel Melgão ganhasse? Depende da capacidade que o Dr. Carlos Pinto de Sá demonstrar no estabelecimento de relações de confiança com o mundo empresarial no qual se podem depositar esperanças de desenvolvimento e de criação de emprego, no distanciamento relativamente a uma trupe que controla o Teatro Garcia de Resende e se julga única detentora da cultura, na aliança com a Universidade para a edificação de uma verdadeira cidade universitária, aliciante para o turismo e para os jovens de todos os azimutes, e ainda na minimização do controlo legalista dos serviços camarários, da vida das populações.
Estará o nosso partido bolchevique nessa disposição? Eis a questão!
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